"Uma flor nasceu na rua!"
Escrito entre 1943 e 1945, este livro é talvez a maior confirmação do que disse o próprio Drummond a respeito de sua obra em uma entrevista. Ele afirma que antes de escrever, sofre um processo de depuração interna e depois vomita todo o resultado em sua poesia.
Não há náusea mais fascinante que a desse poeta que me conquistou completamente!
Dentre inúmeras outras, C.D.A. me acendeu uma nova paixão ao escrever em “Procura da poesia”:
Dentre inúmeras outras, C.D.A. me acendeu uma nova paixão ao escrever em “Procura da poesia”:
Museu da Língua Portuguesa - SP.
A paixão por dicionários! Neste poema e em outros, o poeta praticamente nos ensina a entender um poema e todo seu processo de nascimento (metalinguagem), deixando bem claro que é impossível o fazer sem entender o que há de mais importante no mundo todo: a palavra!
Sendo assim, segue abaixo o poema que escolhi para analisar, por ser um dos mais intrigantes e que talvez mais “jogue” com o significado das palavras:
Sendo assim, segue abaixo o poema que escolhi para analisar, por ser um dos mais intrigantes e que talvez mais “jogue” com o significado das palavras:
ÁPORO
Um inseto cava
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se
Cavando o poema:
Áporo é uma palavra que tem três significados: é o nome de um inseto, tipo de escaravelho que cava terra adentro; é também um teorema sem solução e, enfim, o nome de uma orquídea rara.
O poema nos dá margem a várias interpretações: o áporo pode ser o cidadão oprimido pela ditadura em que vivia Drummond ao escrever a obra e pode ser o poeta que enfrenta o desafio da página em branco e finalmente decide escrever o poema. Mas o mais incrível é o caminho que o inseto faz no poema (em negrito). Na primeira estrofe ele encontra-se aprisionado, sempre antecedendo outras palavras. Cavando mais um pouco, na segunda estrofe ele já encontra-se em fase de metamorfose, sem perder o som (se), que representa sua essência original. Na última estrofe ocorre a transformação final: o áporo vira orquídea. Uma flor nasceu aonde o problema era sem solução. Ela vê-se quase livre, presa apenas por um hífen na palavra que a antecede, como a flor prende-se a seu caule.
No poema “Roda Mundo”, o autor intensifica o sentido do Áporo ao enunciar:
“e vi minha vida toda
contrair-se num inseto”
Ai, ai...é de deixar qualquer um sem palavras!
Arte: FGC. / Foto: Google Imagens.
Que se sigam as palavras do autor no "Poema da necessidade" e que se colham as flores cheirosas do Drummond eternamente!!!!!!!!
"é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.”