terça-feira, 8 de abril de 2008

No meio do caminho tinha uma flor

A rosa do povo - Carlos Drummond de Andrade
"Uma flor nasceu na rua!"

Arte: F.G.C.
Escrito entre 1943 e 1945, este livro é talvez a maior confirmação do que disse o próprio Drummond a respeito de sua obra em uma entrevista. Ele afirma que antes de escrever, sofre um processo de depuração interna e depois vomita todo o resultado em sua poesia.
Não há náusea mais fascinante que a desse poeta que me conquistou completamente!
Dentre inúmeras outras, C.D.A. me acendeu uma nova paixão ao escrever em “Procura da poesia”:

Museu da Língua Portuguesa - SP.
A paixão por dicionários! Neste poema e em outros, o poeta praticamente nos ensina a entender um poema e todo seu processo de nascimento (metalinguagem), deixando bem claro que é impossível o fazer sem entender o que há de mais importante no mundo todo: a palavra!
Sendo assim, segue abaixo o poema que escolhi para analisar, por ser um dos mais intrigantes e que talvez mais “jogue” com o significado das palavras:

ÁPORO
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se


Cavando o poema:
Áporo
é uma palavra que tem três significados: é o nome de um inseto, tipo de escaravelho que cava terra adentro; é também um teorema sem solução e, enfim, o nome de uma orquídea rara.
O poema nos dá margem a várias interpretações: o áporo pode ser o cidadão oprimido pela ditadura em que vivia Drummond ao escrever a obra e pode ser o poeta que enfrenta o desafio da página em branco e finalmente decide escrever o poema. Mas o mais incrível é o caminho que o inseto faz no poema (em negrito). Na primeira estrofe ele encontra-se aprisionado, sempre antecedendo outras palavras. Cavando mais um pouco, na segunda estrofe ele já encontra-se em fase de metamorfose, sem perder o som (se), que representa sua essência original. Na última estrofe ocorre a transformação final: o áporo vira orquídea. Uma flor nasceu aonde o problema era sem solução. Ela vê-se quase livre, presa apenas por um hífen na palavra que a antecede, como a flor prende-se a seu caule.

No poema “Roda Mundo”, o autor intensifica o sentido do Áporo ao enunciar:
“e vi minha vida toda
contrair-se num inseto”


Ai, ai...é de deixar qualquer um sem palavras!


Arte: FGC. / Foto: Google Imagens.
Que se sigam as palavras do autor no "Poema da necessidade" e que se colham as flores cheirosas do Drummond eternamente!!!!!!!!
"é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.”

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Sophião recomenda: Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet



Elenco: Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen, Alan Rickman, Timothy Spall.
Direção: Tim Burton
Gênero: Suspense
Distribuidora: Warner Bros.
Estréia: 08 de Fevereiro de 2008
Sinopse: Sweeney Todd conta a história de um barbeiro chamado Benjamim Barker que leva uma vida comum e feliz com sua esposa até que um juiz apaixona-se pela mesma. Decidido a tomar a mulher para si, ele ordena que prendam Benjamim por um crime que o mesmo não cometeu.
Quinze anos depois o barbeiro retorna a Londres, agora atendendo pelo nome de Sweeney Todd e com sede de vingança. Em parceria com uma confeiteira, a sra. Lovett, Sweeney Todd comete seus crimes na cadeira de sua humilde barbearia e transforma suas vitimas em empadas que se tornam a grande sensação da cidade.

Sophião observa: O filme possui várias histórias e vários tipos de amor entrelaçados. Dentre eles, pode-se distinguir características Românticas e Ultra-Românticas das formas mais doidas e incríveis possíveis - não negando o estilo do diretor Tim Burton.

O Romantismo e o Eu

Texto I:

F.G.C.

Tristão em mim
Não, não exerço a teoria. Não quero. O passado está aqui, mais presente do que o nunca, mais pensante que o louco, que a espera do outro lado, sem ler seu coração, entender sua mente. Não se enriquece com aqueles cabelos de ouro, mareados de ondas, maiores agora, mais lindos assim. Aquele olho, brilhoso, marcado ao som de uma música interminável, tocando aos meus ouvidos no dia de hoje, a todo momento. Eu fazia assim.
Voltando ao passado, eu sim, entendia a melodia, dos fogos no céu, de um momento que eu sabia, não teria mais fim. Em suas mãos trêmulas, inocentes, circulava o sangue da descoberta da paixão. Segurei-a firme, mas também estremeci. Começava ali, a história de dois primeiros amores, já que ambos eram puros ao amar, inexperientes ao errar.
Talvez não soubessem, que depois de tanta coisa vivida, em toda imensidão do pouco tempo que durou, o mar fosse os separar. Tudo interminável, cada momento maravilhoso, como uma aula, sem professor para aprender. Não, não queria que fosse assim e não se sabe porque o fez, mas foi feito. Triste término para aquele amor que emperfeitava-se a cada momento. Tudo parecia sem fim. Mas ele o veio, sem prévio aviso, não encontrou a saída. Fugiu. Tentou facilitar, mas fez parir a dificuldade.
Nasceu Tristão e agora voltemos para o presente. Tudo é extremamente diferente. O louco lá e eu cá. Não faço parte daquilo que pensam que sou. Finjo acreditar que o futuro simplesmente resolverá o velho recém-nascido. Ela lá, tentando, sem pensar, me esperar.
Tentemos solucionar. Trazer o passado pra cá, ou ver como se todo aquele infinito rio de perfeição desenbocasse em minha mente, sozinha. Não sai daqui. Por favor, não sai daqui.

Fernando Gregório Catto
21.11.2006

Texto II:

Johanna em cena do filme de Tim Burton - Sweeney Todd.

Meu Bébézinho Lindo:
Não imaginas a graça que te achei hoje à janela da casa de tua irmã! Ainda bem que estavas alegre e que mostraste prazer em me ver.
Tenho estado muito triste, e além disso muito cansado – triste não só por te não poder ver, como também pelas complicações que outras pessoas têm interposto no nosso caminho. Chego a crer que a influência constante, insistente, hábil dessas pessoas; não ralhando contido, não se opondo de modo evidente, mas trabalhando lentamente sobre o teu espírito, venha a levar-te finalmente a não gostar de mim. Sinto-me já diferente; já não és a mesma que eras no escritório. Não digo que tu própria tenhas dado por isso; mas dei eu, ou pelo menos, julguei dar por isso. Oxalá me tenha enganado...
Olha, filhinha: não vejo nada claro no futuro. Quero dizer: não vejo o que vai haver, ou o que vai ser de nós, dado, de mais a mais, o teu feitio de cederes a todas as influências de família, e de em tudo seres de uma opinião contrária a minha. No escritório eras mais dócil, mais meiga, mais amorável.
Enfim...
Amanhã passo à mesma hora no Lardo de Camões. Poderás tu aparecer à janela?
Sempre e muito teu

Fernando Pessoa
27.04.1920

Como os textos se aproximam do Romantismo?
Em síntese, ambos os textos demonstram o afastamento da mulher e do homem e a mágoa sentida por este, quando impedido de viver um amor que seria ideal em suas concepções. A exaltação dos sentimentos pessoais é evidente em ambos (“Tenho estado muito triste”), além da exaltação do ser amado ("aqueles cabelos de ouro, mareados de ondas, maiores agora, mais lindos assim"). O estado da alma do eu lírico é agonizante, frustrante por não poder estar em contato direto com seu amor que o espera longe.
O que pode distanciar ambos do movimento literário acontecido no Brasil no século XIX é que tanto no conto, quanto na carta, falta um final feliz. Aliás, falta um final. O final ainda está por vir em ambas obras. O que é inegável é que na mente de todo leitor a esperança por um "final feliz" é gritante.

Exposição "Tarsila Viajante"

Ahh, foi muito bom!
Foi bom ver os quadros de pertiiinho, sentir o cheiro das telas, quase tocá-las, devorá-las! Foi bom ficar ali parado e sentir toda a explosão de sentimentos que obras daquele tamanho podem nos passar! Foi bom "ouver" aqueles quadros juntos, como amigos, entrelaçados, dialogando em voz alta o tempo todo! Ah, como foi bom! Ver o mundo através dos olhos de Tarsila do Amaral!
É uma pena que algumas bundas sorridentes distraíram alguns espectadores....
Viva a arte e todos os que a vivem!!!!!!


A Lua, Tarsila do Amaral, 1928.

Composição, Tarsila do Amaral, 1930.
Os dois quadros acima me chamaram a atenção, pois acredito que há uma relação direta entre ambos. Para mim, representam o tão famoso amor de Tarsila por Oswald Andrade. O primeiro, de 1928, simboliza o seu amado que, de costas para ela, contempla o céu, a Lua, que reflete o próprio movimento de seus cabelos, que estão representados no quadro "Composição" de 1930. Neste, observa-se a pintora, vendo de longe, as plantas verdes (como a do quadro A Lua), que representariam Oswald. A própria separação dos amantes em dois quadros tem muito a dizer, já que sua história foi marcada por separações. Por "coincidência", A Lua era o quadro preferido de Oswald, seu marido quando foi pintado, que conservou o quadro até a sua morte (mesmo separado da artista)!